#9 É bonito estar perto quando um livro nasce
Uma das minhas partes preferidas de acompanhar lançamentos literários e ver de perto essa felicidade meio misturada a surpresa e satisfação que costuma invadir os autores.
Uma das minhas partes preferidas de acompanhar lançamentos literários e ver de perto essa felicidade meio misturada a surpresa e satisfação que costuma invadir os autores. É bonito ver um livro chegando ao mundo e mais gostoso ainda é ver ele encontrar seus primeiros leitores, empolgados pelo abraço, pelo sorriso e pela descoberta que logo vai vir das novas palavras.
Nessa semana quem lançou livro novo foi a
, uma dessas pessoas que a gente costuma dizer que tem a tal “energia boa”, sem saber explicar muito bem o que isso significa. Mas, para mim, é isso que ela emana, entregando aos futuros leitores uma troca sincera de quem realmente acredito que a literatura é o melhor possível que podemos oferecer.Conhecia a Surina há anos atrás, numa vida distante que quase parece outra vida e eu ocupava meus dias de trabalhando fazendo entrevistas e escrevendo para o jornal no caderno de cultural. Aliás, apesar dos pesares e loucura de uma redação, era bom viu? E foi numa dessas tardes de apurar boas histórias que eu encontrei o livro da Surina, que não só me atraía por ser, bem, um livro, mas por narrar uma viagem da autora toda feita em bicicleta.
Eu achei tudo aquilo tão corajoso, bateu no peito aquela vontade gostosa de um dia fazer também, pegar a bicicleta e ganhar o mundo. Ou, quem sabe, apenas saber que é possível. Durante o lançamento Surina comentou seu livro anterior, por mais que tivesse um nome considerado meio enigmático por ela, nunca tinha despertado indagações. “É impressionante! Ninguém nunca me perguntou o motivo do nome, ao contrário desse atual, que todos perguntam”.
O nome misterioso é “O mundo sem anéis”. Lembro que realmente nunca perguntei, nem mesmo como jornalista. Internamento dei o meu próprio significado e aquela aventura sozinha na bicicleta me parecia tão incrível que quando vi as fotos enviadas pela Surina para ilustrar o jornal concluí que o título vinha de uma ideia de liberdade. Sem anéis.
Como se os anéis, de alguma forma, representassem alguma espécie de prisão infinita em que a gente se coloca. Rodando em círculos, sabe? Talvez eu tenha viajado muito na intepretação pessoal, mas é o que acontece com os livros quando são soltos no mundo.
Depois seguimos nossos rumos e, anos mais tarde, nos encontramos outra vez. Agora numa oficina literária, embaladas pelas palavras sempre meio mágicas do Marcelino Freire, que tem esse dom (ou poder) de fazer nascer bons livros. Surina terminou esse livro que lança enquanto eu terminava meu Baixo Paraíso.
Agora, vamos voltar ao livro novo. No encontro para o lançamento, na livraria Na Nuvem, Surina falou um pouco de seus processos criativos e trajetórias com a escrita e um ponto me chamou muita atenção. A autora, que escreve em 108 sobre sua experiência num Ashram, contou que encontrou nessa experiência algo muito diferente do esperado. A expectativa era a de encontrar algo bom, leve, talvez um encontro como a minha própria expectativa distante do que se encontra num lugar desses, iluminação, talvez?
Mas Surina relata ter encontrado muita dificuldade. O Ashram joga seus moradores na inabalável roda da rotina, embalados pelos horários de acordar, comer, arrumar, trabalhar, comer outra vez, dormir, sem distrações. O encontro com algum espaço interno antes inalcançável me parece inevitável diante desse silêncio e a autora buscou relatar parte desses encontros (ou buscas) em seu livro.
E aqui, distraída que estava escutando o bate-papo, me lancei sem esperar em experiências externas de frustrações. Quantas vezes buscamos um novo espaço, uma nova atitude, uma reviravolta, um começo, um novo passo em busca do nirvana e encontramos a frustração? Deve ser o que há de mais comum na experiência humana.
108 são as contas de cada Japamala, é um número que carrega importância religiosa em várias culturas, como no hinduísmo, é o número de possíveis dharmas. Nesse caso, para a autora, o número está posto e o título escolhido seria irrevogável. Surina conta que o livro dialoga com uma ficção autobiográfica para pensar numa personificação de Buda que fosse mulher e visse nos dias de hoje.
Há quem implique com essa mistura de ficção, realidade, invenção e biografia, mas eu particularmente acho um caminho incrível. Repensar a realidade e inventar novos caminhos e pontos de partida para o que foi ou poderia ter sido é como remexer um pouco na linha da vida.
Logo mais começo a ler 108 e em breve teremos também entrevista com a autora por aqui.
Isa, que edição mais linda e delicada sobre o 108... Obrigada por fazer parte da escrita dele, e não seo da escrita - também da linhagem das mulheres que escrevem. Um beijo enorme!