#11 Bobagens e coragens em Janeiro
O começo de ano, confesso,me arma de certa autoestima para criar sem pretensão
Eu gosto muito de janeiro. Mesmo. Começar o ano mexe com um lado meu ainda otimista e meio conectado às ideias da infância, onde tudo seria possível e o ser humano não conheceria sinal de cansaço. Mas hoje sei que conhece. Um ano novo inteirinho veja só, capaz de fazer a gente recomeçar e recomeçar e começar de novo quantas vezes forem necessárias. Um ano novinho para tentar jogar na sacola o cansaço do mundo e reviver a possibilidade, até certo ponto intacta, de todas as coisas, de realinhar os umbigos, afastar o que, cá para nós, já devia ter sido afastado. Como boa leitora viciada, tenho meus rituais literários e o primeiro livro do ano parece significar alguma coisa que não sei. Virei o ano com A Louca da Casa, de Rosa Montero. Tenho gostado de conhecer a autora e, ainda que saiba não ter uma opinião unânime, gosto de ler sobre as relações entre a escrita, a obsessão e um tanto da desorientação que parece rondar os processos criativos. Passei a virada do ano meio obcecada com a ideia de um livro. Um livro jovem, uma aventura rodeada de sol, uma história solar, quem diria, páginas e páginas de uma história completamente displicente e sem ambição, pois ando cansada da eloquência que tem parecido ser necessária a cada vez que desponta uma ideia nova. Eu queria me divertir, sim, sem dramas, sem a pretensão de ser genial.
Pois bem, achei que tinha evoluído de alguma forma. Que tinha finalmente aprendido que não colocar tantas expectativas em cima de cada passo dado. Até que, li um trecho do livro que me acompanhou na virada do ano e, sem aviso prévio Rosa Montero pisou duro no meu calo. Não sublinhei o trecho indicado e nem marquei a página, então não vou citá-lo agora com precisão (li na casa da minha mãe, em Brasília, onde passei 10 dais e não encontrei um único marcador e nem mesmo um sinal de lápis, apenas canetas. E eu jamais marcaria um livro com canetas).
A autora falava algo sobre escritores bons, que escrevem obras geniais e, por algum motivo, em de terminado momento da vida, por falta de sorte ou destino, desandam a escrever histórias ruins. Duas linhas bastaram para que eu fosse invadida de uma vergonha sem tamanho por ter escrito um livro para jovens sem nenhuma pretensão, por ter publicado – ainda que apenas online – uma história sem o devido tempo de cozimento, sem revirar minhas entranhas, sem resgatar minhas sombras, sem compartilhar nas páginas algo de obscuro para dialogar com o leitor em algum nível de entendimento, afinal, a vida nunca foi só luz. Como eu pude ousar escrever uma pequena aventura, uma historieta de amor que deveria trazer um pequeno riso no lugar da reflexão. Como ousas?
Sem escolha, me perdi outra vez nos meus próprios ideias. Qual seria agora a minha personalidade para o ano seguinte? Com que pele eu iria me habitar nos próximos meses? Seria eu descompromissada e desligada da opinião alheia a ponto de publicar uma historieta sem grandes elaborações ou seria eu ainda uma criatura conectada ao ideal externo da criação genial, da obra perfeita, da elaboração cult, inteligente e intelectual da própria existência?
Metade cult metade fuleiragem
Então, voltemos ao passado. A bem verdade é que eu nunca fui assim, até me mudar para São Paulo. Não sei exatamente o motivo (mas tenho elaborado aqui dentro), mas me mudar para a cultural, artística e agitada metrópoles mudou a minha régua interna de aprovação. Como se eu precisasse ser incrível, boa e bem-sucedida a cada passo. Como se eu precisasse ser genial como a fulana que eu conheci na mesa do bar, ou a ciclana que eu admirava no lançamento, ou mesmo a beltrana que sempre pareceu tão inteligente a cada frase. Então voltei ao início de tudo, a quando comecei a escrever, publicar, inventar coisas. E me dei conta de que sempre fiz tanto e tantas coisas pareciam caminhar tão certo porque eu, rodeada por certa ingenuidade, não tinha muito medo de errar, ou de parecer feia, boba e chata. Eu fazia como era possível, escutando música clássica e artistas fuleiros na mesma medida, fazendo teatro e dançando balé enquanto corria para casa para assistir novelinhas mexicanas, lendo livros e dramaturgias enquanto buscava um besteirol do mais barato para me divertir.
Era esse o segredo da coisa, não me importar tanto? Talvez sim.
Mas, Rosa Montero, em A Louca da Casa, além de me provocar gatilhos, me lembrou do quanto pode ser incrível estar obcecada com uma ideia. A ideia maluca de escrever minha aventura romântica na Chapada dos Veadeiros antes que o ano terminasse me ajudou a soltar a mão. E, quem diria, me divertir um pouco escrevendo bobagens me fez escrever um bocado, concentrar na leitura, redigir páginas e páginas de texto enquanto eu ficava vesga pelas horas em frente ao computador. Minha historieta despreocupada me fez esquecer os meses duros de um ano que desafiou a autoestima e a confiança nas pessoa que conhecemos depois dos 30, me fez pensar em personagens enquanto caminhava para a academia e sentar a bunda na cadeira meio dura da casa da minha mãe para terminar algo em um tempo combinado comigo mesma.
O ajuste na régua da genialidade me fez... seguir. E como é incrível seguir em frente, permitindo tropeços, despreocupações e, por que não, alguns parágrafos comuns.
E, vejam só, a mão soltou tanto que até com essa saudosa newsletter voltei. Esse texto virou algo completamente diferente do que o planejado incialmente, mas, assim são todos os textos. Tenho adorado passear pelo substack, lembrando dos tempos de blog em que eu lia e escrevia, vejam só, sem tanta pretensão.
DICAS DA SEMANA
Newsletter
Hoje vou me permitir uma egrotip na indicação. A ótima jornalista Amanda Calazans está também agora nas terras do Substack, e escreveu um texto muito atento sobre Baixo Paraíso em uma das primeiras edições da sua nova newsletter,
Você pode conferir o texto aqui:
https://substack.com/home/post/p-153913142?source=queue
Livro
Perdoem a egotrip, mas início de ano causa essa auto-referência na minha personalidade esperançosa. Decidi compartilhar aqui a minha historieta romântica na Chapada dos Veadeiros, Morro da Baleia, publicada em ebook Amazon. Ainda tenho poucos leitores nesse espaço, o que me traz certa segurança para cometer bobagens.
Você pode ler o livro digital e comprar por apenas R$ 10 por aqui (e, se fizer isso, deixe lá uma avaliação, que ajuda muito):
Se tem uma coisa que a Fernanda Torres nos ensina é que podemos nos permitir produzir coisas leves também. Que seja um ano muito criativo por aí!
Adorei o texto, Isabella. Li o último da Rosa Montero, mas já estou com a Louca da Casa aqui na estante de casa, me esperando. Me identifiquei demais com essa questão de ter que parecer genial, intelectual e incrível ao olhar dos outros. Já entendi que funciona assim mesmo nesse meio da Literatura, mas isso cansa. Só quero me divertir e fazer algo com amor, sabe?